quinta-feira, 15 de março de 2012

Artigo: A pose na fotografia.

A seguir, um interessante artigo escrito por Viriato Moura, e publicado no site Rondonia Dinâmica. Vale a leitura:


Angelina Jolie durante o Oscar 2012 em momentos diferentes da pose que se disseminou pela internet e ganhou imitadores e críticos no mundo inteiro (Foto:AFP/AP/AP).

A pose, com o significado de postura estudada para se deixar fotografar, tira a espontaneidade da foto. O momento registrado perde identidade enquanto expressão de uma condição natural de ser ou estar. Mostra algo construído com propósito de aparência. O que diz, pode não ser a verdade dos elementos que compõem a imagem fotografada.

Por motivos diversos, por vezes precisamos de poses para construir imagens. Principalmente a nossa própria. Porque somos socialmente o que verdadeiramente somos e o que o parece que somos. A pose tenta construir algo que se pretende ser que seja ou que se pretende realçar. Fazer pose é algo tão intrínseco ao jeito de ser que, segundo Oscar Wilde (1854-1900), dramaturgo, escritor e poeta irlandês, “ser natural é a pose mais difícil de manter”. Quando diante de uma câmera, sabemos todos, é mesmo difícil de ser natural, espontâneo.

A despeito de comprometer a naturalidade do momento, por óbvio nem sempre a pose pode ser rechaçada. Nem pode nem deve. Quer seja para o registro fotográfico ou para a vida. Porque o viver não combina com a sinceridade sempre explícita. Isto significa dizer que há sempre algo que não queremos mostrar e algo que queremos fazer ver a todo custo, ainda que não exista verdadeiramente em nós e no que queremos expor – não se vive de aparências?

A pose é uma linguagem que faz parte do instinto de conservação das espécies. Uma simples pose pode estimular ou atenuar percepções, sentimentos, desejos diversos. “A vida em si não é uma realidade. Somos nós que pomos vida em pedras e seixos”, escreve o fotógrafo e arquiteto italiano Frederick Sommer (1905-1999).

O enquadramento da foto, o ângulo em que é captada, a incidência de luz e a sombra dela decorrente não tiram da foto sua autenticidade enquanto fotografia, porque esses são meios inerentes à fotografia. Meios que disponibilizam “possibilidades infinitas” à arte de fotografar, conforme ensina John Szarkowski (1925-2007), fotógrafo, curador, historiador e crítico de arte norte-americano. Enquanto a pose intencionalmente produzida por quem quer que seja adiciona à foto um fator cenográfico construído artificialmente – este, extrínseco à fotografia propriamente dita, ao jeito de utilizar a câmera.

A pose é um aspecto marcante da linguagem usada na arte fotográfica. Funciona como esculpir, como montar uma instalação. É fundamental que o fotógrafo que quer se expressar com arte domine essa processo construtivo. E não se iniba em interferir nesse contexto quando fotografar, atuando como um diretor de cena meticuloso. Basta que olhemos álbuns fotográficos de casamento, formatura, batizado, aniversário; eventos sociais em geral. A mesmice é a presença mais constante nesse tipo de foto. Com o advento da fotografia digital, o desperdício provocado pelo número exagerado de fotos aumentou e a qualidade delas piorou. Não há compromisso, na maioria das vezes, com a estética e com o conceito do momento captado.

Um profissional da fotografia não deveria cobrar seus honorários pelo número de fotos, mas pela qualidade efetiva de seu trabalho. Isso pode até parecer complicado em termos pragmáticos, mas precisa ser adotado pelo bem da valorização da arte fotográfica. “Quem consegue fazer 12 fotografias significativas em um ano está com uma boa produção”, enfatiza Ansel Adams (1902-1984), fotógrafo norte-americano, um dos precursores por alçar a fotografia a condição de arte. Fotógrafos de verdade, artistas visuais que são, não devem se submeter a condição de meros acionadores de câmeras fotográficas.

Mesmo que a pose se imponha em certas circunstâncias, é preciso que o fotografo tenha sempre (sempre!) em mente o valor estético, geralmente inigualável, da captação do momento como ele é, sem qualquer interferência na composição da cena, sem retoques, nem mesmo na expressão dos fotografados. O fotógrafo britânico David Baily , um dos ícones culturais dos efervescente anos 1960 da cidade de Londres (Swinging London), declara-se avesso ao ordenamento das imagens da foto: ”Imagens para ver são para mim as pessoas, lugares e as coisas que estão no seu próprio espaço, e que não foram ordenadas pela vista”. Enquanto documento, somente esse tipo de fotografia deve merecer credibilidade como testemunha existencial. Aquelas marcadas pelos arranjos proporcionados pelo posicionamento dos seres e objetos não registram o momento como ele é, mas como decidimos que fosse. Decisão nem sempre de bom gosto.

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